2013/02/04

O NAM no VáVá: "Notícias sem Censura"

Ata da tertúlia do NAM no VáVá, Conversas de Memória, em 2 de Fevereiro de 2013, sobre
“Notícias sem censura”

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Vá Vá… Vá Vá… VáVá… a Helena Pato tanto insistiu no Facebook para que fossemos que quando cheguei – e foi à horinha – já não havia cadeiras.  Simpáticos e com sentido apurado de hospitalidade (ou seria sentido comercial?) o empregado do VáVá foi acrescentando cadeiras e cafezinhos e assim consegui sentar-me.
Lá à frente, na mesa dos oradores convidados  estavam:  à esquerda –  a bem dizer à extrema esquerda! –  o  Sebastião Lima Rego, uma estrela, no tempo próprio, do MRPP, a seu lado estava a Margarida Tengarrinha uma mulher que foi durante muitos anos dirigente do PCP, viveu clandestinidades e sofreu o assassínio do companheiro pela PIDE, o artista e revolucionário – Dias Coelho. A seu lado estava o Manuel Alegre que ainda estava só à entrada do VáVá porque lhe apontaram um microfone das televisões para uma declaração não certamente sobre o tema da tertúlia mas sobre a trapalhada do António Costa que avançou para Seguro mas afinal não avançou e não se sabe se ainda avança ou já não avança.
A sala estava muito bonita porque estava lá a Teresa Dias Coelho que é pintora e filha da Margarida Tengarrinha que também é artista plástica, porque estavam lá as mulheres quase todas dos órgãos sociais do NAM, a Helena, a Maria Manuel, a Manuela Almeida, porque estava lá representada a Justiça na pessoa do Juiz Macaísta Malheiros,  a Ciência na pessoa do investigador José Manuel Tengarrinha, a poderosa classe dos jornalistas com o Daniel Ricardo e o António Melo, a universidade com o Zaluar, a extinta Ação Revolucionária Armada com o António João Eusébio, a comunidade judaica na pessoa da Lucia Ezaguy. Pessoas ilustres eram quase todas como o ex-provedor do Telespectador da RTP, José Carlos Abrantes e até o homem da rua estava representado por quem, com espírito missionário, vos oferece esta notícia.
A presidente do NAM abriu “As conversas de memória” explicando que o assunto era “Notícias sem Censura” e ofereceu a palavra ao moderador  Miguel Cardina, universitário e escritor, um esteio do NAM em Coimbra que veio de propósito para esta nobre missão e nos mostrou como bem se dirige uma tertúlia de sedutoras memórias. Para no-las revelar ali estava o Manuel Alegre que nos relembrou o que foi a Rádio Voz da Liberdade, órgão da Frente Patriótica de Libertação Nacional, sediada em Argel, de como ela foi importante para furar o muro da censura fascista e oferecer aos Portugueses o que Salazar lhes escondia. Revelou como guardou num cantinho privilegiado da sua memória a entrevista que fez a um dos homens maiores do continente africano, o grande dirigente do PAIGC e grande amigo de Portugal Amílcar Cabral, assassinado às ordens da PIDE. Enalteceu ainda a grande ajuda do governo argelino e o seu exemplar relacionamento com a oposição portuguesa sem o mais pequeno sinal de interferência ou instrumentalização da sua atividade no seu solo pátrio. Referiu além de Boumedien outra das maiores figuras de África, Ben Bela, o primeiro presidente da Argélia libertada.
A Margarida Tengarrinha discorreu a seguir sobre a Rádio Portugal Livre, a voz do PCP, difundida a partir de Bucareste e lembrou que as suas emissões tiveram início em 12 de Março de 1962 e antecederam as da RPL. Explicou que o “camarada Álvaro Cunhal” teve um papel primordial na origem da RPL e também em negociações em Argel  e, já se sabe, “ o Álvaro” foi a alma de muitas outras coisas. A Margarida referiu e sublinhou várias afirmações anteriores de Manuel Alegre correspondendo assim à amistosa intervenção deste.
No tu cá tu lá com os oradores a assistência lembrou como pelo Alentejo dos latifúndios antes de fechar negócio na compra de um radiozito o compadre inquiria se ele apanhava a rádio Moscovo Moscavide ou, noutras versões o comprador certificava-se se o rádio apanhava aquele posto com “a voz da menina”. A “menina” era a Veríssima Rodrigues, a “camarada” da RPL que tinha uma belíssima voz, cativante e subversiva.
Da assistência outros lembraram como os apaniguados da “Situação” amedrontavam quem queria ouvir a RPL, a RVL, a Rádio Moscovo ou mesmo a menos perigosa BBC, na banda das ondas curtas cheia de agudos e indiscretos rugidos, dizendo que as polícias tinham aparelhos para detetar quem as sintonizasse.  Mas não há veneno que não dê origem ao seu antídoto e o pessoal do contra logo anunciou o remédio: basta pôr um copo de água em cima da telefonia. E assim muitos faziam e já sem medo.
As conversas sobre as rádios clandestinas provocaram-nos uma grande vontade de mais um cafezinho, mais bolos e torradas e deram lugar ao intervalo com mais beijinhos e abraços aos que chegaram depois.
 
A imprensa clandestina veio a seguir e foi a vez de Sebastião Lima Rego evocar o papel do “ Luta Popular”, órgão oficial do MRPP, do seu trabalho nesta frente de agitação, numa excelente exposição que prendeu a atenção dos presentes.  Disse-nos que o jornal clandestino chegou a ter uma tiragem de 10 ou 12 mil exemplares. Falou-nos da distribuição clandestina e trouxe ali, da história do MRPP e do “Luta Popular”, entre outros, os nomes de Saldanha Sanches e Fernando Rosas.  Sobre imprensa clandestina foi de novo a vez de Margarida trazer à nossa presença a história do “Avante” órgão central do PCP que venceu sem desfalecimento a barreira das polícias políticas da ditadura durante 43 anos de clandestinidade. Revelou o papel essencial das tipografias e dos tipógrafos escondidos na clandestinidade que garantiram essa proeza por vezes à custa da própria vida como foi o caso de José Moreira morto na PIDE. Referiu ainda a figura de Maria Machado e de Joaquim Rafael que começou pela distribuição clandestina e depois de aprender a ler e a escrever, já clandestino, foi tipógrafo 25 anos em 30 de clandestinidade.
 
Foi então a vez de José Hipólito dos Santos, presidente do Conselho Fiscal do NAM no anterior mandato e antigo e destacado dirigente da LUAR  (Liga de Unidade e Ação Revolucionária). Eu ouvia, ouvia e esperava a todo o momento que caísse o Carmo e a Trindade se, é claro, me reportasse a 40 anos atrás.
É que o Hipólito, ao contrário do bom comportamento de Manuel Alegre, Margarida Tengarrinha e Sebastião Lima Rego que olvidaram compassivamente tudo aquilo que pudesse trazer à memória as assanhadíssimas guerras que no passado os envolveram em barricadas opostas, ao contrário, dizia eu, o Hipólito começou ali, em plena tertúlia sobre “Notícias sem censura”, com um tiro de bombarda mais estrepitoso que os dos trons com que Nuno Álvares assustou os castelhanos em Aljubarrota: “Curiosamente - disse ali o José Hipólito - o NAM convidou representantes da Rádio Portugal Livre e da Rádio Voz da Liberdade e do Avante, órgãos onde se exercia uma feroz censura contra tudo o que não fosse de iniciativa do PCP ou da FPLN que ele controlava”. E depois prosseguiu indo lá trás ao anarco-sindicalismo e mais próximo à sua LUAR.
Talvez por estarmos em pleno campo de batalha com o inimigo comum à vista (refiro-me ao governo dos mercados, aos Passos , aos Relvas, aos Gaspares, aos Moedas e aos Borges) ninguém desembainhou a espada para terçar armas no VáVá  e a tonitroante crítica foi recebida com uma cordata bonomia e a intervenção do Hipólito apanhou tantas palmas como as outras.
Afinal a intervenção do Hipólito foi como que a cereja no bolo na “conversa” do NAM sobre “Notícias sem censura”.
A Helena Pato, presidente da direção do NAM, está de parabéns pois conseguiu pôr a conversar pessoas que há 30 ou 40 anos seriam tratados uns como sociais-fascistas e outros como agentes da CIA.
Mas as surpresas não terminaram aqui, já perto do fim vejo aproximar-se da entrada um sem-abrigo, espreitava, hesitava quando a meu lado alguém lhe aponta o dedo e sonoramente anuncia “é o Ulrich, é o Fernando Ulrich!”. De facto balbuciava "ai aguenta aguenta" mas não consegui confirmar. Se de facto era ele terá concluído não se tratar de nenhuma reunião de banqueiros "sem-abrigo" e afastou-se.
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Caros amigos a ata não só não foi submetida a aprovação como qualquer  eventual imparidade (imparidade… hum…? Soa bem!) entre o que digo e a realidade é, sem dúvida, culpa desta.
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