2013/03/19

Imagens da tertúlia do NAM "Objectos com História" no Vá-Vá em 2013-03-16

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Vá-Vá . E vão 3... tertúlias

O trânsito era tal que me atrasei e Já não consegui apanhar os melhores lugares no café. Quando entrei na Av de Roma a caminho do Vá-Vá para participar na tertúlia “Objetos de memória” (da luta contra a ditadura), iniciativa do Movimento Não Apaguem a Memória, surgiu um stop arreliador.  Polícia de Trânsito, um “creme nívea”, cães polícia, “Polícias de Choque” a pedirem documentos e olharem-nos com olho de polícia,  carros a encherem a avenida, um inferno. Que será isto? Interrogávamos, os polícias, moita carrasco, nada e depois já se sabe, cada cabeça sua sentença. Dizia um, aposto que é por causa do Papa. Olha o papa! Isso já foi há dias!! Haverá futebol para estes lados? Adiantava outro, incrédulo. Hum… não me parece, alvitrava uma miúda alta, Rita, acho que foi Rita que disse. Apercebeu-se que éramos do Movimento Não Apaguem a Memória e à puridade bichanou-nos. Não é nada. Nem são bem polícias, acho eu. Perante o nosso espanto confidenciou: cá para mim isto foi ideia da direção do NAM, da Helena Pato, da Lúcia Esaguy ou da Maria Manuel Calvet Ricardo, como marketing da tertúlia, no Vá-Vá, agora às 16h. Não me parece nenhum stop verdadeiro com aquele "Creme Nívea" antigo – acrescentava ela – é mas é um “objeto de memória” para lembrar o tempo da ditadura. Abríamos a boca de espanto quando um dos pseudo-polícias ordenava: vamos vamos cidadãos e dava ordem de marcha. Olha, olha, ouviste? Cidadãos! Vá lá… sempre aprendem alguma coisa no contacto com as massas – dizia uma mulher, a bem dizer uma Senhora, toda aperaltada mas com um certo ar comunista.
O Vá-Vá estava um luxo de gente importante, alguns que até vêm na TV e tudo. Além das diretoras do NAM – disse diretoras e disse bem que aquilo, parece impossível, são mais as mulheres que os homens, lá na direção – estavam todos os interventores anunciados cada um com seu objeto de memória a exaltar as lutas do passado e para exorcizar o fascismo que julguei ser coisa que não voltaria nunca mais mas agora, com este governo estrangeiro, “governo dos mercados” que aí temos já nem sei bem.
O Vá-Vá, quando cheguei, já fervilhava de gente quando a Srª presidenta do NAM, a Helena Pato, apresentou a apresentadora a Doutora Luísa Tiago de Oliveira. Desculpem lá mas vou omitir os títulos. São praticamente todos drs e drªs. Uns mais que outros, doutores por extenso e professores, uns da primária e outras e outros com F grande da universidade.

Luísa Tiago de Oliveira, um dos membros do NAM mais estimados, deu 10 minutos a cada conferencistas e calculando que todos iriam prevaricar deu secretamente mais 5 minutos a cada.  Começou por Alípio de Freitas que nos falou das lutas de Portugal e do Brasil contra as ditaduras de cá e de lá e num discurso bem articulado foi relacionando os tempos idos com os atuais, trocando saudosismos por espírito combatente.  Gastou rapidamente os 15 minutos e teve de dar o lugar ao Artur Pinto, o verdadeiro, o que tem organizado com mais alguns universitários, incansavelmente, sucessivos festas comemorativas do “Dia do Estudante”. Artur Pinto relatou uma interessantíssima história relacionada com o Henrique Galvão onde surgia o “objeto de memória” o livro Vagô. Seguiu-se o Daniel Ricardo que, como jornalista de passado anti- fascista, revelou-nos com muita graça, interessantíssimos episódios  da Capital onde trabalhou. Como aquele caso, bem humano e, quanto ao desemprego, bem atual, do funcionário da censura que foi despedido por ter deixado passar uma notícia “perigosa” d’ A Capital e, muito logicamente, foi pedir emprego ao jornal. Daniel Ricardo contou também a última ida, não ida, à censura do Jornal A Capital, no dia 25 de Abril. Vai não vai. Não foi.
 Depois ouvimos a Luísa Teotónio Pereira, do conselho diretivo do  CIDAC que orientou o discurso para os lados de Amílcar Cabral, esse grande revolucionário e amigo de Portugal e uma das figuras maiores de África, assassinado pelos fascistas-colonialistas portugueses. Trouxe ali bem viva a memória da luta da Guiné e Cabo Verde, evocou os mísseis Strela que permitiram anular a arma terrível que era a aviação portuguesa e os seus bombardeamentos.

Seguidamente ouvimos a Maria Emília Brederode Santos. Apresentou-nos um livrinho escrito na prisão de Peniche pelo seu irmão, uma deliciosa relíquia, um romance de aventuras e do fantástico “ A bicicleta auto-móvel” a revelar os artifícios e a imaginação a que os presos recorrem para, em circunstâncias terríveis, manterem o sangue frio e a sanidade mental.

Evocou a solidariedade com os presos anti-fascistas de uma pessoa amiga que lhe cedeu uma casa que tinha na vila para apoio quando visitasse o irmão e depois alargou a solidariedade a  outras pessoas suas amigas com o mesmo objetivo e de generosidade em generosidade acabou por oferecer a casa a todos os que visitassem familiares presos.

 O empregado do café ia-nos abastecendo com o seu café, a sua mini, o seu croissant, a sua água, voejando sem ruído, invisível, por entre uma amálgama de gente atenta a histórias que as paredes do Vá-Vá nunca tinham ouvido. Apesar deste bom trabalho de logística o intervalo foi bem recebido para mais comes e bebes, mais abraços e mais beijinhos aos chegaram depois ou aos que mereciam mais que uma rodada deles.
Aproveito o intervalo para vos dizer que estas iniciativas trazem sempre no bojo a ideia feliz de atrair os jovens. Para lhes passar a mensagem. Para que peguem no facho. Ora acho que os jovens não estão para aturar as iniciativas dos pais ou avós. Lembro-me do que se passava comigo. Pais e avós falavam da República, dos feitos gloriosos, dos exemplos de cidadania e da recusa de benesses cujo exemplo maior foi o de Manuel de Arriaga, o 1º PR português que dispensou o palácio de Belém e alugou com o seu dinheiro uma casinha ao lado. Mas nós os jovens de então deixávamo-los com a República e tencionávamos descobrir o caminho do futuro por nossa conta. Por isso ao verificar a presença de uns quantos jovens me admirei e até perguntei vieram com a família? Que não. Que não.

Como repararam não me demorei a narrar as histórias pois era quase tudo material altamente confidencial e teria até, talvez, de pagar direitos de autor. Bem… poderia dar outra explicação, a verdade é que não tomei notas e vocês já sabem, depois dos 50 vamos perdendo a memória (Não Apaguem a Memória!) e alguns ali já andávamos quase por essas idades. Portanto não conseguiria nunca trazer-vos aqui o brilho de relatos tão cintilantes, tão carregados de emoção.
A segunda parte foi iniciada pela Helena Neves uma combatente de glorioso passado de luta agora prof na Universidade e que é uma das minhas amigas preferidas (se calhar não devia ter dito isto…) Evocou o passado mas sempre com um olhar no presente e, é claro, dando destaque a tudo o que é lutas das mulheres pela sua emancipação, pela igualdade de géneros enquanto circulava uma foto onde ela está com essa grande Mulher que foi, que é, Maria Lamas.

Foi a vez então de Joana Ruas mostrou-nos desenhos de um menino guineense que sofreu os bombardeamentos nas matas da Guiné onde os guerrilheiros se escondiam. Desenho que relatava a guerra e os bombardeamentos dos colonialistas portugueses e ainda outro “objeto de memória” uma grande colher feita com o alumínio de avião português abatido por um dos célebres mísseis Strela, fornecidos pelos soviéticos após o assassinato de Amílcar Cabral e que pôs em terra a aviação portuguesa.
Joana Lopes, minha colega da luta armada, ainda que de exército diferente, as Brigadas Revolucionárias, apresentou-nos ali o carimbo com que fazia os selos brancos que tornavam verdadeiros os BI e passaportes falsos que os combatentes usavam para arreliar a PIDE. A Joana especializou-se com tais artes que era já uma espécie de Arquivo de identificação, mas das BR. Os Pides quando nas fronteiras ou nos stops examinavam os documentos já diziam desanimados uns para os outros: assim como é que podemos saber se são do arquivo de identificação ou se são da Joana Lopes?

Mário de Carvalho – sim o escritor, o romancista – ora, dizia eu, o Mário de Carvalho lembrou tempos de prisão política, em Peniche. Lembrou companheiros, trabalhadores, homens simples cujo exemplo de serenidade, simplicidade e firmeza perante a tormenta e o horror muito o impressionaram e ensinaram. Recordou que um lhe fabricou a partir da ponta de um cabo da vassoura um peão de xadrez, igual, igualzinho aos outros quando o guarda lho roubou. E roubou porque o Mário de Carvalho batia com ele na parede mas batia com toques pluridisciplinares, tipo morse, para conversas com a cela do lado. O Guarda não gostou e levou-lhe o peão. Perdia-se o Morse e desfalcava-se o jogo do Xadrês de um indispensável peão. O Velez, seu amigo, ali preso como ele, não gostou do gesto do guarda e esculpiu-lhe um  peão tão perfeito que circulou... no Vá-Vá, de mão em mão, entre nós.
Como o devo anunciar, interrogava a Luísa Tiago de Oliveira no seu papel de moderadora? Como “o marido da Custódia” respondeu ele. Ela não fez caso e anunciou como devia ser, o Senhor Almirante Martins Guerreiro.  Depois, dentro da sua história, é que se desvendou esta de “o marido da Custódia”.  Custódia é a mulher de Martins Guerreiro, uma mulher de armas, que sobressaía nas reuniões de formação política e conspirativas dos oficiais da Marinha, ao lado da Pilar, mulher do comandante Contreiras, a ativista por excelência. Quando foram viver para uma nova zona em Algés ela que circulava no bairro mais que ele e, estimada e popular, ela era a Custódia e ele, um figura pública, um dos heróis nacionais do 25 de Abril, era simplesmente o marido da Custódia. Martins Guerreiro teve uma salva de palmas a meio das histórias que nos contava quando mostrou e leu a “Declaração de entrega dos ex-membros do Governo” acabado de derrubar pelo 25 de Abril, no Quartel General do Comando Territorial da Madeira. Quis-me parecer que o entusiasmo teria alguma coisa a ver com o momento político atual.

Por fim falou a Rita Veloso, a participante jovem que nos trouxe um testemunho diferente. Falou da prisão do Forte de Peniche mas de quem o conheceu aos cinco anos ao visitar o pai Ângelo Veloso membro do comité Central do PCP, preso em Peniche de 1968 a 1974.  Um momento hilariante foi quando testemunhou a existência da casa em Peniche de que falara Maria Emília Brederode Santos. Sim sim, eu lembro-me dessa casa. Lembro-me porque foi aí que aprendi a atar os atacadores dos sapatos. Trazia vários objetos de memória, um postal que o pai lhe escreveu e bilhetinhos do pai e as suas respostas, bilhetes que um pai preso por lutar pela liberdade escrevia à sua filha com cinco e seis anos.

Terminadas as exposições dos conferencistas seguiu-se um período de interpelações e outras conversas e outros objetos de memória de espontâneos.
A Maria Eugénia Varela Gomes, que eu só consigo tratar carinhosamente por Geninha, deu-nos a conhecer um baralho de cartas feito por 4 jovens raparigas, uma das quais ela própria, de papel de prata dos maços de cigarros, para empurrar o tempo a passar mais depressa.
Um dos momentos altos foi quando o João Caixinhas da direção do NAM manejou uma verdadeira espingarda, em tamanho natural e ao vivo, o seu “objeto de memória”. Em pé, de arma em riste, sobre a sala ondeou um movimento de corrida para a porta de saída felizmente contido a tempo. Mas que é isto? Para onde vão? Para onde vamos? Então não viram o sinal, vamos tomar o Palácio de Inverno o Palácio de S. Bento!. Calma, não é nada disso, não é sinal nenhum, aquilo é um canhangulo antigo, trazido de África, uma arma usada em antigas lutas rebeldes dos povos de Angola. Cá, pelo menos por enquanto, a nossa arma é a palavra e a consciencialização de que urge mudar de governo antes que a democracia e o país sucumbam.

Ciao. Até à próxima tertúlia. No Vá-Vá
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Nota: esta "ata" da 3ª tertúlia ainda não foi aprovada por isso estou a receber acrescentos e emendas. Eis a
1ª - Vejam só esta ternura de bilhetinho, este torrãozinho de açúcar, da Rita Veloso, aí por 1973, com os seus seis anos, que ela trocava com o pai nas visitas no Forte prisão de Peniche.