2012/12/11

Jorge Martins apresenta-nos Maria Gomes

 
Maria Gomes é de Castelo Branco, tem duas filhas e dois filhos do primeiro casamento com António Rodrigues. Após ter enviuvado casou com Fernão Martins de quem não teve filhos.
É filha de Alonso Gomes, mercador, natural de Arronches e de Helena Fernandes natural de Castelo Branco.
Maria Gomes está presa há dois anos, período que durou os interrogatórios e o julgamento.
 
Convoquem todos os vossos “amigos” pelo Facebook para a cerimónia piedosa que decorre no próximo domingo, em Lisboa, a seguir à Santa Missa, no Largo da Ribeira Velha onde será erguida a fogueira e, após o sermão do padre Manuel Rebelo, queimada viva Maria Gomes, para salvação da sua e das nossas almas.
 
Não é bem assim, concedo, e não havia ainda, julgo eu ,nem Twiter nem Facebook e o dia exato é 5 de Setembro de 1638. Esclareça-se que Maria Gomes tinha então 117 anos de idade e foi a mais velha cristã-nova a ser "salva" pelo fogo purificador da Santa Inquisição.
Cumpre acrescentar que Maria Gomes esteve presa 2 anos, antes de condenada, foi submetida à brutal tortura da polée a interrogatórios e ameças sem fim. Como mandava o regulamento do Santo Ofício, nunca chegou a saber do que a acusavam em concreto para além de “seguir a lei de Moisés” nem quem a acusou. Era obrigada, na esperança de se salvar da fogueira a denunciar o que pensava e não pensava “em seu coração” e quem poderia ter, como ela, trato com o diabo ao “ser crente na Lei de Moisés”
Com ela foram queimados vivos nesse dia mais três mulheres e três homens.
Crueldade e Cinismo
Os inquisidores têm perfeita consciência da hediondez dos crimes e das consequências negativas para a imagem da Igreja, como agora se diria, das suas fogueiras onde chegavam a queimar os restos mortais de quem não tinham conseguido condenar em vida. Por isso a Inquisição condenava à fogueira mas depois relaxava (entregava) à justiça secular a execução. E fazia-o com requinte: assim o sermão do padre Manuel Rebelo não podia esquecer as palavras canónicas para Maria Gomes:
“… a condenam e relaxam à justiça secular a quem pedem com muita insistência e eficácia se aja com ela benigna e piedosamente e não proceda à pena de morte nem efusão de sangue.” Condenam à morte e pedem para que “não se proceda à pena de morte”. E ai dos Magistrados que não cumprissem à risca e prontamente as ordens da Inquisição. “Eram excomungados e tratados como hereges”.
A inquisição foi estabelecida em 1536, no reinado de D. João III e extinta ou, se preferirem, enviada para os infernos, em 1775, pelo Marquês de Pombal. A congregação desapareceu em Portugal mas continuou sob a proteção do papado e de transformação em transformação tem hoje como sua herdeira a Congregação para a Doutrina da Fé. Sim que uma congregação sagrada, com aquele passado de salvação de tantas almas, não se deve extinguir, mesmo que já não tenha lume para fogachar. Mas creio que o Papa, há uns anos, quando estava na moda pedir desculpa também a pediu para "certos exageros" da Inquisição.
Tudo isto e muito mais, relata Jorge Martins, historiador um dos maiores, senão o maior conhecedor da história dos Judeus portugueses, no seu muito interessante livro
MARIA GOMES CRISTÃ-NOVA, 117 ANOS A MAIS IDOSA VÍTIMA DA INQUISIÇÃO
agora editado pela Vega.
Jorge Martins conta-nos com proximidade e rigor o que se passou e como passou com Maria Gomes, essa nossa concidadã e avó, tão distante e tão próxima, trazida até nós como uma mulher igual a todas as mulheres que connosco no quotidiano convivem. Mas o autor oferece-nos também o regimento da Inquisição e o Sermão daquele Auto-de-Fé.
Post Scriptum: esqueci-me de dizer algo essencial. É que isto não era condenar por condenar, incendiar por incendiar, é que quem pagava todas as despesas e todo a aquele exército de "irmãos" dominicanos do Santo Ofício e enriquecia o seu inchado e sumptuoso património eram os bens, logo arrestados, dos judeus nacionais convertidos à força, denominados cristãos-novos.
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Li o livro fiquei a saber melhor o que nós somos e de onde viemos. E assim, até consigo perceber melhor que ainda se vá consentindo no governo de Portugal estes Passos e Relvas, estes Gaspares e Borges. (Pequeno Borges. Não confundir com o verdadeiro, o argentino José Luís).
Estou esperançado, no entanto, que lá para Abril ou Maio (são meses bons) consigamos um bom auto-de-fé para estes “crentes na lei dos Mercados”. Auto-de-fé mas apenas digital, sem fogo nem polé. Que é que acham.

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