2008/11/13

AGUSTINA

Ultrapassei os primeiros escaparates e as segundas prateleiras com o lixo editorial. Capas exotéricas, resplandescentes de sóis matinais, mistérios anunciados. O azulão e a capa limpa atraíram-me. Só depois vi que era da Agustina Bessa-Luís. A Corte do Norte. Suécia, Dinamarca, ou czares? Li a primeira página e sem ver mais, sem saber do que tratava, sem leitura de recensões, decidi comprar, ali, no acto. Uma página inteira de escrita como esta quase paga um livro. E quem escreve assim uma página muitas outras terá escrito lá para diante.

CAPÍTULO I


“João Gomes, conhecido por «Trovador», que casou no Funchal com a filha dum companheiro de Gonçalves Zarco, foi homem de cuidados e suspiros. Além de vereador da Câmara em 1472, entrou na abundante polémica do Cancioneiro Geral acerca de quem melhor ama: se o que cuida ou o que suspira. Isto não impressionava se não fosse a elegância das trovas, dignas dum pajem do Livro do Infante D. Henrique, que, pelo que se diz, ele foi. João Gomes da Ilha teve a sorte de produzir bons versos, decerto antes que o cargo de juiz ordinário lhe embotasse a veia poética. «Da lembrança do passado / com desejo do futuro / em o tear do cuidado / se tece mui restorçado / terçopelo verde escuro.»
Esta é uma primeira definição de saudade de que a ilha gasta há séculos. Porque de penar airoso é o coração do insular e nisso doutorado; «sentido com desejar em que a esperança cabe», é como João Gomes explica o limbo das paixões e cuidado manso que outra cousa não é senão saudade. Para entender esse romance é preciso entender a linguagem nobre que foi prelúdio de poesia mística castelhana. Mas que nos portugueses se chamou «aquele cuidado esquivo / que não dá mais que sofrer / ao coração cativo, / no qual eu morrendo vivo, / em grado de bem querer».
Deixando as trovas e os trovadores, que à Madeira vieram com outras vontades e ilusões, como a de casar e refinar a cana-de-açúcar em que a Flandres se afreguesou, vamos a outros campos romanescos. A Madeira tem plantações de romance, como de bananais e vinha jacquet. É um nunca acabar de personagens, situações, vidas e histórias, que não se entende o silêncio das letras acerca delas."