2008/08/05

José Brandão. Mais um livro.

José Brandão é meu amigo mas a razão que o traz hoje aqui não é essa mas a publicação, de mais um livro, agora mesmo, (Editora Prefácio). A Introdução ao livro diz-nos quantos mortos, feridos , estropiados, doentes a guerra ceifou entre os militares portugueses em cada uma das guerras coloniais, na de Angola, Guiné e Moçambique, e faculta entre a muita informação outros interessantes números, cada um encerrando uma tragédia em Portugal e abrindo portas para outras infindáveis tragédias, em África, entre os que defendiam a libertação das suas terras. A Introdução do livro está aqui abre o apetite ao mais fastiento e já me decidiu: vou, sem dúvida, comprá-lo.

José Brandão começou por ser operário, foi dirigente sindical e é um autodidacta. Mas foi também um lutador contra a ditadura e foi preso pela PIDE que o acusou de pertencer à ARA. Chegou ao tribunal para julgamento, com uma sentença de uma mão cheia de anos de prisão, já lavrada pela PIDE/DGS no dia... vá, adivinhem... no dia 25 de Abril de 1974!

2008/08/03

A tragédia do Sebastião Correia, a teoria da relatividade e a dupla natureza dos ratos.


Sebastião Correia, tem 26 anos é natural da freguesia de Santa Marinha de Chorense, arcebispado de Braga é filho do cirurgião António Correia e de Maria Carvalha. É mascate que o mesmo é dizer que é vendedor ambulante de bugigangas ou coisas de maior valor e está casado com Luísa Teresa da Conceição. Está ou estava porque depois casou com a Inácia Maria. Longe da terra, no Brasil lá no Recife. E, é claro, para tanto falsificou papéis. Rapazes, cabeças no ar, perdem-se de amores e fazem o que não devem. Ai a juventude de agora…
Mas a vida é mais complicada do que parece a esta estouvada juventude e o Sebastião foi apanhado e levou com um processo em cima:
Crime/Acusação: bigamia, falsificação de documentos.”

O que me levou a escrever esta notícia foi a desproporção da sentença. O crime da sentença é muitíííííííísimo maior que o crime do réu.
“Sentença: auto-de-fé privado de 20/12/1784. Abjuração de leve, ser açoitado publicamente, degredo por cinco anos para as galés, penitências espirituais, pagamento de custas.O réu encontrava-se preso no aljube de Olinda, bispado de Pernambuco. Data da prisão: 31/08/1784”
Tinha-me esquecido de advertir que tudo isto se passou já há um certo tempo. Ainda o Brasil era “uma província ultramarina”, colónia, colónia, que nessa altura ainda Salazar estava para nascer e não era preciso atirar areia à cara dos portugueses e à cara da ONU com essa coisa de “províncias ultramarinas”. Colónia era colónia e com muita honra (deles). Portanto Brasil ainda estava muito longe do Brasil de Lula da Silva e o tribunal de comarca, da Relação e do Supremo era a Santa Inquisição.

“açoitado publicamente, degredo por cinco anos para as galés, penitências espirituais, pagamento de custas”
Deus!!! a avaliar pelos seus representantes na colónia do Brasil, era na altura, muito pouco indulgente. Era ainda aquele Jeová velho rancoroso e despeitado por já não ser jovem nem poder conquistar nenhuma Inácia Maria. E daí… talvez até Deus nem soubesse de nada e fosse tudo obra daqueles malvados dominicanos da PIDE da Inquisição.
A violência bruta daquele tempo, o desprezo pela pessoa humana… mas o ponto é outro e onde eu queria chegar era aqui: ao problema do espaço e do tempo. Como tudo isto se passou há muito tempo temos de contextualizar e considerar que aqueles açoites em público aplicados ao Sebastião Correia e os incríveis cinco anos de trabalhos forçados nas galés, o pagamento das nunca esquecidas custas além de tormentos ou penitências espirituais, foram uma pena muito razoável e bem aceite pela opinião pública que ainda não usufruía da Internet.
O Tempo! Mas tempo é espaço e vice-versa. Todos sabemos, mais ou menos, que as categorias de espaço e tempo foram correlacionadas já faz um certo tempo (ou espaço?), lá pelo fundo do século XX e a relação entre elas traduzida em fórmula matemática pelo simpático e distraído judeu alemão Einstein o que, se mais não tivesse feito, o tornaria no génio que ninguém poderá deixar de admirar mesmo que nunca tenha subido os Himalaias da Física ou da Matemática.
O tempo é espaço. Ora não aconselho ninguém, especialmente em férias, a ir rever a teoria da relatividade pois bastar-lhe-á a rápida explicação, a bem dizer um exemplo, que grátis aqui ofereço para se perceber a lei de forma simples. O tempo é espaço porque para encontrar aquele tempo de açoites, galés e pior, basta deslocar-se no tempo? não, no espaço. Vá ali à terra dos talibãs, ou a certos países africanos, sem ofensa para África ou, esmiuçando, a certas aldeias remotas ou bairros degradados da grande e Ocidental Civilização e lá encontra o que se encontrava ao virar da esquina no Rossio ou no bispado de Pernambuco em 1784, a 224 quilómetros de distância 224 anos antes.

Porquê toda esta conversa fiada? Ora porque fui calmamente passear aos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo que repousam agora no moderno edifício da cidade universitária em Lisboa. Passeio-me por lá num agradável exercício lúdico mas sem deixar a quietude do meu escritório e o rumorejar álacre das buganvílias da minha varanda, graças ao mundo virtual que a Internet nos traz a casa com um clic do rato. Bicho, aliás, que nos últimos tempos tenho vindo a encarar com alguma bonomia.

Para ver o proc. 7039 (de Sebastião Correia ou de José Sebastião de Araújo: dois nomes mesma pessoa) - Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, link:
http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=2307108