2004/07/10

Almada Negreiros (filho)

Um pouco mais tarde, em 1960, conheci o filho, José de Almada Negreiros, com o mesmo nome do pai. Cumpríamos, com mais uns sete ou oito rapazes, o serviço militar obrigatório em Torres Novas, como aspirantes a oficial miliciano. Alguns tornaram-se figuras públicas. Um a que na altura não prestámos grande atenção chamava-se Belmiro de Azevedo, viria a fazer uma fortuna talvez maior que a nossa. Outro, o José Bernardino, ganhou fama como revolucionário e dirigente comunista. Constituía com os irmãos e demais família, um célebre clã, com sede na Avenida de Roma em Lisboa. Mais que residência era um verdadeiro centro de formação política e cultural de estudantes universitários, mormente do Técnico, e também de conspiração anti-fascista. José bernardino tínha-me recrutado para o PCP uns meses antes quando, na tropa em Cascais, fazíamos a recruta. Dois anos depois foi preso pela PIDE, foi terrivelmente torturado e passou na cadeia uns seis anos. Do Zé Bernardino dizia-se que na PIDE, no meio das torturas, não só não denunciara ninguém como nem sequer o nome dele declarara à polícia.

O convívio no quartel do GACA 2, em Torres Novas, o passar o tempo na vila, onde todos se encontram e as conversas nas viagens em conjunto, para Lisboa, deram para conhecer e fazer amizade com o jovem culto e fazedor de amigos que era o José de Almada Negreiros.
Cada um seguiu a sua vida mas em 1974 reencontrámo-nos. Ele queria conversar comigo sobre a clandestinidade donde eu acabara de sair. E eu queria voltar a conversar com ele. Com o Ernâni Pinto Basto, um dos aspirantes a oficial miliciano de Torres Novas, e amigo comum, fomos jantar ao Restaurante do Velho Moinho. Eu e o Ernâni chegámos nuns carritos plebeus de 1.200 cm3 de cilindrada e quase ao mesmo tempo chegou o Almada num vistoso Porsch que custaria tanto como uns dez dos nossos. Fingindo-se incomodado com a diferença de status exposta pelos carros (em 1974, com a revolução em crescendo, politicamente correcto era a igualdade. Igualdade por baixo, claro!) Almada depois dos abraços de quem não se vê há uns anos exclamou:
- Eu não tenho dinheiro para comprar carros desses. Não posso andar a comprar carros todos os anos! Tenho de comprar um carro que me dure uns quatro ou cinco anos.

1 comentário:

Isabel Magalhães disse...

Passei por cá!

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